sábado, 8 de março de 2008

Koji e a Flor de Cerejeira (Parte 2)

Bom dia, amigos!

Volto neste sábado para publicar a segunda parte do meu conto Koji e a Flor de Cerejeira. À princípio, essa parte deveria estar junta da primeira, porque ambas estão interligadas, da mesma forma como estão a 3ª e a 4ª parte. Mas, como acabou ficando um texto longo, separei em 4 partes. Enfim, espero que gostem. É um pouco diferente da primeira parte. Espero que a mudança não prejudique a leitura.

Abraço e bom final de semana!

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Koji e a Flor de Cerejeira

Alex de M. Machado




Parte Dois
Você é formidável, sabia?



Pouco tempo depois já havia chegado ao centro do vilarejo, e inúmeras pessoas se reuniam lá, cada uma com sua tocha a arder. Quem as olhasse de longe acharia que a vila estava ruindo em chamas, e será que realmente não estaria em pouco tempo? Quem estaria aqui para impedir um ataque? Ele achava que não restaria ninguém. Afastou esse pensamento também. Que mania de pensar o pior.

“Vejam! É Koji!”, gritaram dois aldeões ao verem quem se aproximava.

Ele manteve os passos, mas logo foi obrigado a parar, pois já estavam por toda a volta o impedindo de prosseguir.

“Boa sorte, Koji!”, disse uma voz fina de algum lugar no meio do povo.

Ergueu-se na ponta dos pés para procurar quem havia dito aquilo, mas um ancião o interrompeu.

“Foi meu netinho, Hagime”, disse ele.

Koji se ajoelhou e viu o garotinho abraçado à perna do avô, sorrindo com alegria. Provavelmente não entendia ainda que as pessoas morrem numa guerra. Ou então não entendia que quando as pessoas morrem, elas morrem mesmo. Deu um sorriso de resposta, bagunçou carinhosamente o cabelo do menino e agradeceu. Ao se levantar, o ancião lhe deu um aperto de mão.

“Lute bravamente, jovem. Honre seu vilarejo e seu povo”, disse ele seriamente.

“Honrarei, senhor,” respondeu Koji, abaixando a cabeça numa mesura.

“Deixem o soldado passar,” disse um dos dois homens que o avistou primeiro.

Ele se ergueu e foi caminhando lentamente em frente, passando pelas pessoas, ouvindo murmúrios de ‘tão jovem...’, ‘ele é apenas um garoto’, ‘boa sorte, rapaz’, ‘derrote eles, guerreiro’. Não, ele não era apenas um garoto. Não era tão alto, mas era forte para sua idade, e já estava na idade em que seu pai se casou. E principalmente, sentia-se capaz de lutar por seu povo. Não lhe faltavam coragem e juízo. E iria mostrar isso no campo de batalha, por bem ou por mal.

Com muita dificuldade, livrou-se de todos eles. Já estavam começando a enojá-lo com todas aquelas mensagens de ‘boa sorte’ ou ‘coitadinho’. Não via a hora de ir embora da vila. Céus! Eles não percebiam que tudo aquilo somente piorava sua situação? Continuou andando, agora passando perto da sua casa, vendo uma janela com luz acesa e fumaça saindo pela chaminé.

Certamente sua mãe e sua irmã estavam fazendo a janta. Fê-las prometerem que não sairiam à rua quando ele estivesse passando por ali para se encontrar com os outros soldados. A despedida já havia acontecido durante a tarde, e foi essa a primeira vez em quatro anos que ele derramou uma lágrima. Mais pela sua irmã, que não parava de chorar desde que o oficial veio até sua casa informá-lo da convocação.

Sua mãe também chorara, mas ele não conseguia tirar da cabeça a idéia de que a maior razão do seu choro era ter de criar sozinha sua filha caçula, nem que fosse por alguns meses. Ou talvez fosse o fato de ela não ter mais quem arranjasse lenha. Que horror, com essa idade e ter de voltar a cortar lenha. E o inverno não tardaria a chegar. Em menos de um ano e ele já estaria de volta, como se nunca tivesse ido embora. Com certeza as duas morreriam de frio. Homens...

Homens... Como ela podia pensar essas coisas numa situação como essa? Aliás, será que realmente pensava essas coisas? Não seria tudo sua imaginação? Também conhecia muito bem a si mesmo para saber da sua imaginação fértil. Bom, que fiquem bem. E que ela seja uma boa mãe para sua irmã. Que ela seja o pai e a mãe que ele tem sido desde que a pequena nasceu.

“Escapando sorrateiramente, não é mesmo, general Kiyoshi?”, disse alguém bem atrás dele, fazendo-o levar um grande susto, desequilibrar-se e cair sentado no chão.

“Hansuke, é você?”, respondeu ele se levantando.

“Derrubado por uma criança. Que ótimo general você está se saindo, general Kiyoshi!”, disse o garoto com escárnio. “Isso me faz refletir se não seria interessante eu ir para a guerra com você, para sempre indicá-lo o melhor caminho por onde fugir. Você sabe muito bem que, de fugas, eu entendo.”

“General coisa nenhuma. Eu sou apenas um aprendiz de soldado. E você está muito errado se acha que vou ir até lá para fugir, Hansuke”, respondeu ele com gravidade. Ambos ficaram se olhando olho no olho por alguns segundos, e então caíram na gargalhada. “Adoro seu senso de humor, sabia?”

Os dois amigos sentaram-se embaixo de uma cerejeira e ficaram conversando sobre futilidades. Era disso que Koji mais precisava naquele momento e seu amigo sabia disso.

“Achei que você não iria vir se despedir de mim”, disse Koji depois de alguns minutos, percebendo que não poderia mais ficar ali com Hansuke por muito mais tempo.

“Não poderia perder esse momento por nada. Quero vê-lo partir. Quero vê-lo carregar aquela espada muito afiada. Como eu queria usá-la, sabia? Iria com certeza me divertir muito na guerra. Quero que me conte tudo o que aconteceu quando voltar”, respondeu Hansuke; e Koji sorriu para ele, pois conhecia muito bem o amigo e sabia que ele realmente iria conseguir se divertir numa guerra.

Nesse momento, uma rajada de vento bateu na cerejeira acima deles e uma flor soltou-se e desceu lentamente em direção a Koji, mas na última hora o vento a empurrou para o lado e ela foi parar no meio da testa de Hansuke.

“Hanami, samurai! Uma flor de cerejeira”, disse ele depois de assoprar a flor e vê-la caindo no chão logo à frente deles.

“É mesmo. Flores de cerejeira”, respondeu Koji olhando para cima e vendo a árvore cheia delas, pintada de um tom rosa claro, quase tão branca como a neve. “Sabe Hansuke,” disse ele pegando a flor do chão e começando a despedaçá-la, “preocupo-me com você, com ela, com minha irmã”.

“Ela quem?”, perguntou ele.

Koji apenas ergueu e mostrou a flor de cerejeira para o amigo, cujo apenas meneou a cabeça. É claro que ele sabia de quem Koji estava falando. Por que perguntara?

“É tão ruim ir embora e deixar uma vida para trás”, continuou ele. “Sinto como se nada fosse ser como era antes, mesmo se eu voltar vivo e com meu cérebro no lugar. Dá para acreditar?”

Hansuke pensou em dizer que ‘não, não dava para acreditar. Guerras podem recompensar as pessoas com honra, glória, vitórias incríveis, mas Koji voltar com o cérebro no lugar seria um progresso exorbitante. Não, guerras não fazem milagres’, mas não disse nada disso. O amigo não estava para brincadeiras. Tudo o que disse foi que entendia sua situação.

Porém, não entendia. Era três anos mais novo que Koji e estava ainda um pouco longe de entender tudo isso, apesar de que mesmo dali a quarenta anos ainda encontraria prazer nas guerras. Hansuke sim, nascido para ser general.

“Enfim...”, suspirou Koji. “Estou indo, amigo.”

“Está certo. Acho que está na hora mesmo, senão todos os outros generais vão ficar com todo o divertimento para eles. E isso seria uma vergonha, Koji!”, disse ele tentando animar o amigo.

“Uma vergonha seria também chegar antes de todos e ser o primeiro a morrer”, respondeu Koji, e Hansuke não conseguiu conter a risada. E o mais engraçado não era a frase que foi dita, e sim a cara sisuda e preocupada com a qual ele disse isso. Mas, Koji não se importava. Estar com seu amigo e vê-lo sorrindo realmente o animava e o revigorava. “Hansuke, você é formidável, sabia?”

“Você é que é, parceiro!”

Levantaram-se e foram caminhando pela rua, para cada vez mais longe das pessoas com tochas no centro da vila. Não muito tempo depois eles chegaram ao quartel, e Koji seguiu para onde Hansuke não mais poderia acompanhá-lo. Insistir para o guarda no portão não adiantou nada. Somente uma hora depois, quando Hansuke já estava sentado no chão enlameado com o traseiro dormente, foi que o portão se abriu e os soldados e seus oficiais deixaram o quartel para ir à guerra. Koji estava lá no meio deles, embora Hansuke não pudesse vê-lo por causa do escuro e porque Koji estava longe de ser o mais alto deles.

“Koji! Acabe com eles!”, gritou ele o mais alto que pôde ao ver o grupo de soldados passar.

Antes que a guerra ou a solidão acabem com você’, poderia ter dito Hansuke para fechar com chave de ouro.

2 comentários:

Anônimo disse...

Olha o Spoiler, hauahauahauahau

Ceci disse...

Oiiiiiiiiiiiiii....eu de novo por aqui!!!...demorando um pouquinho, mas sempre comentando ^^

Essa parte do seu conto fala muito da amizade né?...gostei muito dessa relação tão forte, pelo menos isso pareceu, muita união, duas pessoas que se conhecem bem e que se apoiam e falam coisas para fazer o outro sentir melhor.

E o conto segue tão bom quanto a primeira parte...bem escrito, da para se sentir no vilarejo...^^

Gostei!
Beijo