domingo, 23 de março de 2008

Koji e a Flor de Cerejeira (Parte Final)

Boa tarde, pessoal! Venho hoje divulgar a vocês a quarta e última parte do meu conto. Espero que gostem bastante porque escrevi com muito carinho.

Mas antes, feliz páscoa a todos! Esse ano só comprei 1 ovo, e foi para a minha amiga Cecilia, mas espero que todos tenham um ótimo domingo de páscoa. E por falar na Cecilia, feliz aniversário para ela! Amanhã devo fazer um post relacionado a isso.

Bom, sem mais perda de tempo, eis o fim da minha produção:

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Koji e a Flor de Cerejeira

Alex de M. Machado


Parte Quatro
Derrota no crepúsculo


De qualquer maneira, seguiu o amigo de longe, sem deixá-lo perceber. Koji sorria enquanto atravessava todo o vilarejo. Teria tempo para conversar com Hansuke durante a noite, mas agora precisava vê-la.

Jamais tivera e jamais teria tanto amor por uma pessoa como o que tem por ela. Passar tardes inteiras abraçado a ela, rindo, divertindo-se e comendo seus pratos preferidos do jeito que só ela sabia preparar era o indício mais concreto de que ele era feliz por excelência. Quando estava com ela, todo o resto era desnecessário. Sentia-se realmente angustiado por todos aqueles que não eram e nunca seriam agraciados com tamanho amor. A vida para ele fazia todo sentido quando tinha ela por perto, e não passava de uma paisagem cinza e fosca quando se despedia dela e reencontrava o mundo real.

Céus! Como queria beijá-la agora mesmo. Já estava tudo planejado. Primeiro passaria horas matando a saudade, depois mostraria a ela o que trazia no bolso e então, se ela assim quisesse, casar-se-iam o quanto antes. Seu coração já palpitava de emoção enquanto subia a estrada para a cabana. Achava isso muito engraçado. Era só pisar naquele caminho tão bem conhecido e seu coração já disparava. Era completamente involuntário. E agora, mais do que nunca, pela importância da situação.

No meio do caminho já avistava a cabana e um modesto fio de fumaça saindo da chaminé. Acelerou os passos. Sentia agora cheiro de geléia, mas uma geléia diferente, exótica. Não era um cheiro ruim, mas também não era seu preferido. Sentia também cheiro de carne assada. Começou a correr. Pensou em gritar seu nome, mas talvez fosse melhor fazer uma surpresa. Corria cada vez mais depressa. Será que ele não percebia as rodas do destino girando a todo vapor? Por acaso, percebia. E aquilo tudo estava deixando-o em estado de êxtase.

Percebia, além disso, um barulho sistemático e ríspido vindo dos fundos da cabana. Aliás, agora já podia ver a cabana claramente. Porém, as coisas pareciam um pouco diferentes. E pouco mais tarde ele iria perceber que estavam completamente diferentes. Mas, agora, toda sua atenção estava focada num único lugar. Lá estava ela, saindo da cabana, bela como sempre. Sua mais valiosa flor de cerejeira, saindo do seu ninho de amor. Carregava um cesto cheio de roupas lavadas e, se ele a conhecia bem, estava indo estendê-las nos fundos da cabana.

Se Koji prestasse bem atenção, veria que havia muitas roupas ali para apenas uma jovem que morava sozinha, mas que importância tinha o cesto diante de tão valorosa jóia? E ela o viu.

“Oh, Koji! Koji? É você mesmo?”, disse ela colocando o cesto no chão.

Era ele. E era ela. Ele não sorriu, não chorou, não reagiu. Apenas olhou nos seus olhos e caminhou determinado em sua direção. Ela, por outro lado, sorria muito.

“Koji! Quanto tempo. Que saudade eu já estava sentindo, você não tem idéia”, disse ela com o mais radiante sorriso.

Ela percebeu que ele andava inflexível, e ele percebeu que, apesar do seu sorriso, ela não estava fazendo o mesmo. Apenas sorria, estática, em frente à porta da cabana. O que estava passando pela sua cabeça agora? Estava passando alguma coisa pela sua cabeça? Que diferença fazia? Depois do toque, viria o beijo, e então, nenhuma pergunta sobreviveria. Mas, antecedendo a tudo isso, veio a voz.

“Sakura!”, disse o jovem que agora já era um homem. E ele o disse um décimo de segundo antes da mão suada encostar-se ao ombro cheiroso, talvez dois décimos antes da boca tremente tocar a boca sorridente, mas, certamente, no exato momento em que o calor do inferno começava a aquecer os miolos daqueles que, como Koji, estavam presos à imparcial roda do destino. Que esplêndida harmonia!

Koji estacou, paralisado, ainda olhando nos olhos dela. E ela não mais sorria. Quem dissera aquilo? Havia sido ele? Sim? Não, provavelmente não. Ele estava completamente concentrado no que estava fazendo e não fazia idéia nem de onde a voz havia chegado. Porém, logo soube, quando de trás da cabana surgiu o dono dela.

“Sakura?”, disse ele de novo. E foi ela quem primeiro falou. E que alegria; ela voltara a sorrir.

“Ayahiko, olhe!”, disse segurando no ombro de Koji e olhando para o outro. “Este é Koji, aquele amigo que havia ido para a guerra. Já voltou. Isso não é ótimo?”

“Ah, então você é o Koji? Sakura me falou de você. Contaram-me que se saiu bem na guerra. Meus parabéns!”, disse ele sorrindo, mas Koji permanecia sério, olhando nos olhos dela, embora ela não mais olhasse para ele. E assim permaneceu.

“Ah, desculpe-me. Não me apresentei”, disse ele ao ver que Koji não reagira. “Prazer, meu nome é Ayahiko Ishikawa, casei-me com Sakura há pouco mais de um mês e esta...”

“Casou-se?”, interrompeu Koji, finalmente olhando para ele.

“Sim”, respondeu ele sorrindo novamente.

“Bom, amor”, disse ela alegremente para seu marido, mas com uma certa cara de indisposição. “Vou estender essas roupas e deixá-los se conhecerem melhor. Koji, venha jantar conosco esta noite. Quero saber tudo o que aconteceu nessa sua aventura.” E após dizer isso, pegou novamente o cesto e foi para os fundos, de onde Ayahiko havia vindo.

“Está bem, amor. Tenho certeza de que vamos nos dar bem”, respondeu ele dando um tapinha nas costas de Koji. “Então, Koji, as coisas aconteceram muito rápido, sabe? Tudo mudou de repente. Eu e Sakura nos conhecemos...”, mas Koji já não estava ouvindo mais nada do que Ayahiko dizia.

Era como se um bloqueio houvesse sido criado dentro da sua cabeça. Por que ela sorria? Não era possível que aquele sorriso fosse sincero, era? Mas, era sincero, ele sabia disso. Depois de tantos anos de convivência, ele já sabia muito bem quando ela expressava com sinceridade suas emoções. Apesar de não saber a razão da alegria, sabia que ela estava alegre. Como era capaz?

Tudo que ele expressava agora era uma careta de quem comeu e não gostou. E o bocó não parava de falar. Por que não entupia a boca com damascos? Damascos? Sim, sim, agora reconhecia o cheiro estranho; eram damascos. Que horror! Geléia de damasco. Como pôde pensar que o cheiro não era ruim? Estava hipnotizado, é claro. E a careta ficou mais feia.

“Ei, você está bem, amigo?”, disse Ayahiko, mas Koji nada respondeu.

Em que lugar ele estava? Só agora percebia que o local estava bem diferente da última vez que estivera ali. Ignorando o anfitrião indesejado, olhou em volta. Estava tudo muito diferente. A cabana estava maior do que antes. Ou ele deveria abolir o termo e começar a chamá-la de casa? A ampliação fora feita com uma madeira muito mais ostentosa, dando um ar de despensa para a porção antiga, aquela que ele havia construído com todo carinho para sua amada.

Sua cabeça estava rodando. Achava que iria desmaiar. Aquele cheiro o enjoava mais do que tudo. E aquele sujeito ao seu lado o enojava mais do que qualquer espécie de damasco. Olhou para o lado, procurando mais alguma diferença, e logo se arrependeu. Adjacente à casa, havia uma árvore que antes não existia. Certamente fora colocada ali enquanto ele estivera na guerra. Estava cheia de flores brancas, mas não era uma cerejeira. Cerejeiras não florescem no fim do outono. O que seria então?

“Um... damasqueiro...”, murmurou ele.

Agora achava que vomitaria a qualquer instante. Que ousadia plantarem um damasqueiro logo ali. Ela sabia muito bem que ele odiava damasco, mais do que qualquer outro alimento. E ela permitira que um damasqueiro fosse colocado ali? E ela estava preparando geléia de damasco? Será que ele morrera na guerra e finalmente havia chegado ao inferno? Se não, então morreria agora. E precisava sair dali o quanto antes, senão isso realmente aconteceria. Procurou tontamente pelo caminho de onde viera e, quando o achou, começou a caminhar por ele.

O elemento atrás dele ainda insistia em dizer ‘O que houve, amigo?’, ‘Está passando bem?’, ‘Quer um copo d’água?’, mas ele estava surdo agora. A última coisa que ouvira era algo referente a eles se darem bem, e então ouviu sobre algo ter acontecido muito rápido. E agora precisava ir embora dali. Começou a correr pelo caminho, cambaleando e quase caindo de vez em quando. Até que depois de Ayahiko o perder de vista, encontrou alguém à frente vindo em sua direção. Será que era ele ainda? Não, não podia ser. Ele não pode voar. E realmente não era ele. Era alguém menor, sem barba. E quando o alcançou, pôde ver: era Hansuke.

“Não, Hansuke, agora não. Deixe-me em paz”, disse ele passando pelo amigo e seguindo o caminho.

“Espere, Koji. Eu tentei avisá-lo antes e você não me deu ouvidos. Agora, por favor, espere”, disse Hansuke indo até ele e mais uma vez o abraçando, pela segunda vez na vida. “Não precisa dizer nada, parceiro. Eu estou com você. Venha, vamos embora daqui.”

E os dois caminharam, mas apenas Hansuke falava. Falava coisas engraçadas sobre todos que via passar por eles, embora Koji em nenhum momento tivesse prestado atenção em algo que o amigo falava. E, repentinamente, depois de andarem por algumas horas, Koji falou.

“Hansuke, muito obrigado por me fazer companhia, mas eu realmente preciso ficar sozinho um pouco. Não pense que é algo contra você, por favor.”

“Mas, Koji...”

“Você deve entender minha decepção. Deve entender que preciso de um momento sozinho.”

“Promete que vai ficar bem? Você é meu melhor amigo. Na verdade, é meu único amigo, assim, de verdade. E me preocupo com você. Sei que está se sentindo um lixo, mas tente não se esquecer das pessoas que realmente se importam com você e que jamais o abandonarão.”

“Eu sei disso, Hansuke”, respondeu ele sorrindo. “Mas, ela é uma grande amiga, acima de tudo. Como pode me magoar e ainda ficar sorrindo? Pergunto-me o que passa por aquela cabecinha. Sei que lá não há maldade.”

“Você não me disse se promete ou não que vai ficar bem”, respondeu Hansuke depois de um tempo em silêncio.

“Prometo que sim, não se preocupe. Bom, vá para sua casa. Estarei lá no início da noite. Decidi que vou jantar com vocês.”

E então se foi, deixando Hansuke para trás. E o garoto ficou ali por mais um tempo, vendo o amigo indo caminhar pela vila. Já havia parado de babar e de cambalear há muito tempo, mas parecia que a qualquer momento desmaiaria. Ele esperava, do fundo do coração, que tudo isso acabasse logo, que ele superasse toda essa situação o mais breve possível. Porque o que ele mais queria é ver seu amigo sorrir novamente. Ele não poderia sorrir se Koji não sorrisse também. No fundo, porém, ambos sabiam que isso não aconteceria tão cedo quanto eles gostariam, embora fosse acontecer algum dia, certamente.

Não muito tempo depois, Koji chegou ao bosque que ele e Hansuke estiveram há algumas horas atrás. Lembrava-se bem, apesar daquilo estar agora há anos-luz da realidade. Por que ele não podia voltar no tempo? Jamais teria ido à guerra, se soubesse que a maior derrota estaria esperando por ele na volta, independente de quantos ele matasse. Koji caminhou lentamente arrastando os pés nas folhas secas. Seu estado atual era de solidão e completo desencanto. Não estava cansado, mas sua melancolia tirava todas as suas forças. Por fim, caiu de bruços no chão, sem mais condições de permanecer em pé, e por sorte seu peso foi todo amortecido pela grossa camada de folhas. Ou por azar. Ah, como ele adoraria levar um murro agora.

Soluçando, enfiou com dificuldade a mão no bolso e trouxe de lá o pedaço de pergaminho todo dobrado. Abriu-o por inteiro e deu uma analisada. Era horripilante. Estava todo sujo de sangue seco e cinzas. Nele estava escrito algo que parecia um poema, apesar de não ter sido escrito com essa intenção. Começou a lê-lo, lembrando-se das circunstâncias em que ele havia sido escrito. Fora há pouco mais de um mês, quando a guerra já estava encaminhando-se para o seu fim.

Começara a escrevê-lo às três horas da manhã, uma hora antes do início de uma batalha que duraria dez horas e que viria a acabar com todas as forças inimigas em Hokkaidō. Por acaso, foi naquele momento que ele mais sentiu falta das pessoas que amava. Como estariam todos? Estariam sentindo sua falta? Claro que sim. Ele também sentia falta deles. Com um pedaço de pergaminho que um dos seus amigos havia deixado antes de morrer e um pedaço de carvão, escrevera o que sentia, expusera toda sua nostalgia. Não pela família, nem pelo seu melhor amigo Hansuke, mas por ela. Era dela que mais sentia falta.

Terminara apenas quando a batalha já estava por encerrada. Sentara-se cansado ao lado de amigos e inimigos mortos e escrevera as últimas linhas. O dia ao seu redor não poderia estar mais feio. Estava frio e nublado, e se fosse inverno provavelmente já estaria nevando. O campo de batalha estava taciturno. Ele não comia há muitas horas e sua última refeição havia sido composta apenas por minhocas e água suja. E, pelo gosto, suja inclusive de sangue oriundo de batalhas anteriores.

E mesmo com todo o enjôo que sentia naquele momento, escrevera ali o fim do seu relato. Escrevera com a letra mais bonita que seu pedaço de carvão o permitiu. E no fim o pergaminho lhe pareceu a coisa mais bonita que já vira nos últimos meses. Agora, porém, jazendo humilde em meio à tão magnífica paisagem, era o pergaminho mais horrendo de todos. Continuou lendo e chegou enfim nas linhas finais.

Pode chover, nevar...
Aceito passar fome e sede...

Como essas linhas eram verdadeiras. E enfim, mais abaixo, a última linha.

Se pelo menos eu estivesse aí do seu lado’.

E agora? Ele havia voltado. Ela estava lá, na mesma cabana. Por que seus maus pressentimentos tinham de se confirmar? Voltando a chorar, enfiou a mão no outro bolso e pegou o pedaço de carvão que utilizara para escrever. Estava intacto ainda, para sua surpresa.

Erguendo-se nos cotovelos, tirou o amontoado de folhas à sua frente, colocou o pergaminho no chão duro de terra e preparou-se para escrever mais um pouco. Não sabia o que o futuro o aguardava, mas agora tudo o que ele conseguia fazer era lamentar o seu presente. Lágrimas caiam agora sobre o seu texto aberrante, deixando-o mais e mais disforme. Firmou com uma mão o pergaminho no chão e com a outra, à luz do sol poente, escreveu mais duas linhas. As legítimas linhas finais.

e também você estivesse do meu lado.
Como se nada tivesse acontecido.


FIM

Um comentário:

Ceci disse...

Oi!!! que final triste!! bom, na verdade, não foi tão triste só que tal vez esperava que ficassem junto, ainda pensando que poderia não ser assim.

Que amor lindo o dele e inexistente o dela!!! nossa, menos de um ano e já esqueceu a quem ela amava???...

Bom, nem sei quanto ela sentia e já estou revoltada jajajaja...o poema lindo! acho que vc já o tinha escrito em outro post certo??

Ahhh obrigada por seu ovo!! e seus bons desejos por meu aniversário!!!
E estarei esperando o post sobre isso jajajaj...

Beijo!!